segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

#117 - O VELHO PALÁCIO (Gomes Leal)

Houve outrora um palácio, hoje em ruínas,
Fundado numa rocha, à beira-mar...
Donde se avistavam lívidas colinas,
E se ouve o vento nos pinheirais pregar.
Houve outrora um palácio, hoje em ruínas...

Nesse triste palácio inabitável,
As janelas sem vidros, contra os ventos,
Batem, de noite, em coro miserável,
Lembrando gritos, uivos e lamentos.
Nesse triste palácio inabitável...

Só resta uma varanda solitária,
Onde medra uma flor que bate o norte,
Sacudida de chuva funerária,
Lavada de um luar branco de morte.
Só resta uma varanda solitária...

Como nessa varanda apodrecida
Em minha alma uma flor também vegeta...
Toda a noite dos ventos sacudida,
Íntima, humilde, lírica, secreta,
Como nessa varanda apodrecida...



domingo, 28 de fevereiro de 2016

#116 - O SONHO SEM DESTINO (Natércia Freire)

Se os caminhos são breves
e os dias tão compridos,
e as tuas mãos mais leves
que a espuma dos vestidos;

se é de ti que me ondeia
uma brisa subtil...
E a vaga diz: -- Sereia!
E o sonho diz: -- Abril!

Se cresces e dominas
os campos que acalento,
e inundas as colinas
de fontes que eu invento;

se tens na luz dos olhos
o misterioso apelo
das cidades de fogo,
das cidades de gelo;

se podes bem guardar
na tua mão fechada
o meu altivo Tudo
e o meu imenso Nada;

se cabe nos meus braços
a bruma que tu és,
e em algas e sargaços
te abraço nas marés;

se, puro, na presença
da nossa grande Casa,
pões na voz de horizonte
um lume de asa e brasa.

Não sei porque te sonho
na sombra matinal,
e ao meu lado te vejo,
real e irreal.

Sabeis -- adaga fria,
que ao meu peito cintilas --
onde se oculta o dia 
das aragens tranquilas?

Se tudo sabes, mata
com dedos de oiro fino,
ou com gume de prata,
o sonho sem destino!




sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

#115 - DESDICHADA (Gonçalves Crespo)

Sozinha e ao desamparo ela vivia
Nesse pobre casebre abandonado;
Não conhecera pai nem mãe; doía
Fitar aquele rosto macerado.

Nenhum rapaz esbelto a convidava
Para os descantes da festiva aldeia;
E consigo a mesquinha suspirava:
«Doce Jesus, por que nasci tão feia?»

Quando a Lua no céu azul surgia,
De alvo banhando a múrmura devesa,
No postigo do albergue a sós gemia,
Triste mulher sem viço nem beleza.

Chamou-a Deus enfim! Quando passava
O singelo caixão na triste aldeia,
Melancólico o povo murmurada:
«Vai tão bonita, olhai!, e era tão feia!...»




quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

#114 - AO DESCONCERTO DO MUNDO (Luís de Camões)

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado
Fui mau mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.




quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

#113 - ATÉ SE REVOLTAREM OS ESCRAVOS (Mário António)

Até se revoltarem os escravos.
Até se rebentarem as comportas.
Até sismos divinos, roncos cavos
Da terra inquieta sob as pedras mortas
Sacudirem a nossa quietação.
Até que luas doidas sobre o mar
Sejam sinal da Alucinação.
Até se extinguir a gentileza
Que mais que nos liberta, nos corrompe.
Até sermos capazes de amar,
Até sermos capazes de morrer.




terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

#112 - SETEMBRO (José Tolentino Mendonça)

 ...quanto mais envelheço, mais pueril é a luz
                mas essa vai comigo.


Nesses dias distantes eu vagueava pelas matas
enchia a espigarda de chumbo e disparava
contra o silêncio das árvores altas
só para assistir ao espectáculo dos pássaros em debandada
experimentava uma exaltação -- de que tenho hoje pudor
perante imagens que partem:
fragmentos rápidos, passagens, segredos que se apagam
nesses dias distantes nem suspeitava
a vida pode ser interminável

o que deixaste abandonado regressa aprende-se depois
quando, por exemplo, a esquecida infância se parece
com certos cães deixados de propósito a muitos quilómetros
que ladram não se percebe como
à porta da velha casa


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

#111 - RECITATIVO VII (Vasco Graça Moura)

a necessidade
é a mãe de toda a cultura:

vi os do porto,
visível multidão de almas,
irados,
invadindo;

diziam a cidade
minguada de bom vereamento e o único
precisamente o único sítio que tinham
era onde cair mortos
e nem sequer dentro das casas: estas
têm quinze famílias diferentes
e pela sua
dilatada extensão se chamam ilhas

domingo, 21 de fevereiro de 2016

#110 - SANTOS (Ribeiro Couto)

Nasci junto do porto, ouvindo o barulho dos embarques.
Os pesados carretões de café
Sacudiam as ruas, faziam trepidar o meu berço.

Cresci junto do porto, vendo a azáfama dos embarques.
O apito triste dos cargueiros que partiam
Deixava longas ressonâncias na minha rua.

Brinquei de pegador entre os vagões das docas.
Os grãos de café, perdidos no lajedo,
Eram pedrinhas que eu atirava noutros meninos.

As grades de ferro dos armazéns, fechados à noite,
Faziam sonhar (tantas mercadorias!)
E me ensinavam a poesia do comércio.

Sou bem teu filho, ó cidade marítima,
Tenho no sangue o instinto da partida,
O amor dos estrangeiros e das nações.

Ah, não me esqueças nunca, ó cidade marítima,
Que eu te trago comigo, por todos os climas
E o cheiro do café me dá tua presença.



sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

#109 - NOITE (Eduardo Teófilo)

Noite profunda e negra
Céu sem estrelas nem lua
Mar imenso bramando longe
Gritos de gente esperando em vão
Barco pesqueiro perdido além
Ondas furiosas que o não trarão mais

Mas nem todas as noites hão-de ser
Negras e profundas
Nem sempre o mar rugirá de raiva
Esmagará furioso
Os homens temerários
Que se atrevem a sondar-lhe o seu infinito Mistério

Hão-de vir noites suaves e amenas
Noites de céu com estrelas
E luar brilhante
Em que o mar há-de ser sereno e azul
De um azul de calma e mansidão
Aberto e franco a receber os homens temerários

Em que os homens
Hão-de poder enfim descansar sobre as ondas calmas
Em que os homens hão-de poder cantar
E em que hão-de poder viver
A plenitude da Vida
De olhar ridente e corações ao alto
Num amor alegre
Em quietude e Paz
Para sempre e eternamente

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

#108 - A DOR DAS PEDRAS (João Lúcio)

Ó pedras a sofrer, em ânsias, nas calçadas,
Ninguém vos sabe amar, ninguém de vós tem dó,
Ninguém sabe entender, ó pedras desgraçadas,
Que há lágrimas também dentro do vosso pó!

Passam, por sobre vós, tanta dor e alegria,
Olhos em que há prazer, olhos em que há tormento,
E ninguém vos consola e queima-vos o dia
E, quase sempre a rir, insulta-vos o vento!

E ninguém sabe ver que pode o infinito
Duma dor existir numa pedra do chão;
Que pode acontecer que um palmo de granito
Sofra, por vezes, mais que um grande coração.

E vós continuais sofrendo a vossa cruz,
E eu vejo-vos lançar um clarão para os Céus,
Como um grande protesto: ó pedras, essa luz
O que é que vai dizer ao ouvido de Deus?

Eu sei que vós falais a Deus dessa maneira:
Vossa palavra é luz, só Deus pode entendê-la:
Há dentro em vós, talvez, uma via-láctea inteira,
Porque, em sentindo dor, sai de vós uma estrela...

Ó pedras, esperai, que talvez um vulcão
Vos lance para o Céu, num abalo violento,
E lá pode falar o vosso coração
E alguém compreender o vosso sofrimento!


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

#107 - INSCRIÇÃO SOBRE AS ONDAS (David Mourão-Ferreira)

Mal fora iniciada a secreta viagem,
um deus me segredou que eu não iria só.

Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que o deus me segredou.

 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

#106 - ALFORRECA E FANECA (Violeta Figueiredo)

Pobre de mim, tão Faneca,
Alforreca me fascina.
Sigo atrás da sua coroa,
dos seus terríveis cabelos
de gelatina e de prata:
só o vê-los me atordoa,
só o tocá-los me mata.

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

#105 - "A meio do caminho" (Helder Macedo)

A meio do caminho
a mais de meia vida já vivida
reencontrei-me só na selva escura
da vida indecifrada
e não sei de que lado está a morte
e não sei se é o amor quem a sustenta
no tempo
que chegou
de destruir
para ver o que seja o que me sobra
no certo entendimento
de que as vidas são feitas
no perdê-las
ou nisso só existem
porque há vida somente quando há morte
e porque toda a selva
por mais cerrada e escura
contém o tempo já do seu deserto
na fértil luz difusa que a penetra
para nela executar o seu amor.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

#104 - A CORRENTE (Fernanda de Castro)

Lá vão as folhas secas na corrente...
Lá vão as folhas soltas das ramadas...
Hastes envelhecidas e quebradas
galgando as asperezas da vertente.

A cheia arrasa os frutos e a semente,
a terra inculta, as várzeas fecundadas,
e vai perder-se, ao longe, nas quebradas,
numa fúria cruel e inconsciente.

Em nós ainda é mais funda, ainda é mais vasta,
esta ansiedade enorme e sem perdão,
que nos fere, nos tolhe e nos devasta...

As árvores desprendem-se e lá vão...
Mas nós ficamos porque nada arrasta 
as raízes fiéis dum coração.



sábado, 13 de fevereiro de 2016

#103 - CANTIGA (Francisco Rodrigues Lobo)

Antes que o Sol se levante
Vai Vilante a ver o gado,
Mas não vê Sol levantado
Quem vê primeiro a Vilante.

                       VOLTAS

É tanta a graça que tem
Com uma touca mal envolta,
Manga de camisa solta,
Faixa pregada ao desdém,
Que se o Sol a vir diante
Quando vai mungir o gado,
Ficará como enleado
Ante os olhos de Vilante.

Descalça às vezes se atreve
Ir em mangas de camisa,
Se entre as ervas neve pisa
Não se julga qual é neve;
Duvida o que está diante
Quando a vê mungir o gado,
Se é tudo leite amassado,
Se tudo as mãos de Vilante.

Se acaso o braço levanta
Porque a beatilha encolhe,
De qualquer pastor que a olhe
Leva a alma na garganta;
E inda que o Sol se alevante
A dar graça e luz ao prado,
Já Vilante lha tem dado,
Que o Sol tomou de Vilante.



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

#102 - SEGREDO (Maria Teresa Horta)

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

#101 - A ARANHA (Da Costa e Silva)

Num ângulo do teto, ágil e astuta, a aranha,
Sobre invisível tear tecendo a tênue teia,
Arma o artístico ardil em que as moscas apanha
E, insidiosa e sutil, os insetos enleia.

Faz do fluido que flui das entranhas a estranha
E fina trama ideal de seda que a rodeia,
E, alargando o aranhol, os elos emaranha
Do alvo disco nupcial, que a luz do sol prateia.

Em flóculos de espuma urde, borda e desenha
O arabesco fatal, onde os palpos apoia
E, tenaz, a caçar os insetos se empenha.

Vive, mata e produz, nessa faina enfadonha:
E, o fascinante olhar a arder como jóia,
Morre na própria teia, onde trabalha e sonha.

#100 - A UMA QUALQUER (Yolanda Morazzo)

Não foi por amor ao dinheiro
nem foi por jóias
nem sequer por um vestido de seda.

Nem foi também por teres casa
móveis decentes, melhor vida.
Não, não foi por nada disto.

Tu, só tu sabes por que sorriste
e o teu coração bateu um pouco mais forte
quando o barco americano entrou no porto...

 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

#99 - "a meio da noite disse, romperam-se as águas" (Luís Filipe Cristóvão)

a meio da noite disse, romperam-se as águas,
e ele, sem saber porquê, acendeu a luz,
procurou os óculos em cima da mesa-de-cabeceira.
uma luzinha reflectia nos olhos dela,
percebia-se como estava assustada.
é agora, pensou. levantou-se da cama
e foi ser pai pela vida fora.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

#98 - "Sete anos de pastor Jacob servia" (Luís de Camões)

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida!



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

#97 - INSTANTE (Miguel Torga)

A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve.

Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.



#96- NÃO OLHE PARA TRÁS (Roberto Schwarz)

Caiu no buraco
saiu de quatro
se arrastou um pouco
levantou dum pulo
disparou dez passos
riu para a galeria
caiu de quatro, como
um cavalo machucado
como um filho da puta
como água usada.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

#95 - "quando chegou ao Inferno foi enviado de imediato para a sala Jazz" (José Duarte)

quando chegou ao Inferno foi enviado de imediato para a sala Jazz
outro tenor jazz-saxofonista
o som que vinha da Sala era o melhor
uma big band
entrou e sentou-se entre Hawkins e Coltrane
maestro arranjador Gil Evans
só extra ordinários
Eldridge, Dizzy, Armstrong, Bowie, Miley, Baker, às trompetes,
trombones com trombonistas, também eles, de excepção,
uma secção rítmica do outro mundo,
mundo onde estavam,
Art Blakey, Paul Chambers, Bill Evans,
tocaram o resto da tarde sem parar,
a noite toda,
ao fim da manhã seguinte
segredou ele para Trane
'quando é o intervalo? para descansarmos...'
Trane contente: 'Nunca!'


sábado, 6 de fevereiro de 2016

#94 - "Como está sereno o Céu" (Marquesa de Alorna)

Como está sereno o Céu,
como sobe mansamente
a lua resplandecente,
e esclarece este jardim!

Os ventos adormeceram;
das frescas águas do rio
interrompe o murmúrio
de longe o som de um clarim.

Acordam minhas ideias,
que abrangem a Natureza,
e esta nocturna beleza
vem meu estro incendiar.

Mas se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças,
e choro em vez de cantar.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

#93 - MÃE NEGRA (Alda Lara)

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem houve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...

Lisboa, 1951



#92 - RELÍQUIA (António Patrício)

Era de minha mãe: é um pobre chale
Que tem p'ra mim uma carícia de asa.
Vou-lhe pedir ainda que me fale
Da que ele agasalhou em nossa casa.

Na sua trama já puída e lassa
Deixo os meus dedos p'ra senti-la ainda;
E Ela vem, é ela que me abraça,
Fala de coisas que a saudade alinda.

É a minha mãe, mais perto, mais pertinho,
Que eu sinto quando toco o velho chale
Que guarda um não sei quê do seu carinho.

E quando a vida mais me dói, no escuro,
Sinto ao tocá-lo como alguém que embale
E beije a minha sede de amor puro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

#91 - FUGA (Nuno Júdice)

Canto a noite dos clandestinos, os que se
encostam aos muros e falam com o vento,
os que se vestem de negro, para se confundirem
com a noite, os que se deixam perseguir pela
sua sombra, e a expulsam de trás de si, quando
alguém se aproxima. Acompanho os seus gestos lentos,
saboreando o instante do próximo
encontro; e ouço as suas palavras na voz baixa
do cais, confundindo-se com
o ruído da água contra a pedra. Entro com eles
na barca da solidão, falando com o vazio
como se a única resposta fosse
a que nasce do musgo das caves. Afasto
de ao pé deles os cães que os seguem;
e vejo-os desaparecerem, mais
e mais longe, onde o futuro se dissipa
sob a névoa cinzenta das madrugadas
que nunca chegaram.


#90 - A MEIO DO CAMINHO (Alberto de Lacerda)

Fico entre o céu e a terra,
Choro só para dentro.
Sou como a árvore nua
que ao alto os ramos indica:
ergue as asas, mas não voa,
têm raízes, mas não desce.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

#89 - TROVA À MANEIRA ANTIGA (Sá de Miranda)

Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.

Com dor, da gente fugia,
Antes que esta assim crescesse;
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim?