terça-feira, 11 de outubro de 2016

#229 - CANÇÃO DO ACASO (Alexandre d'Aragão)

Hoje que os passos fugiram,
Sonoros, da terra inteira,
Que os nossos passos na poeira
Das eras mortas expiram;

Que aguarda, em vão, penitentes
Algum deserto muslim:
-- Mesmo no meio das gentes
Ardem desertos sem fim... --

Ou a montanha salutar
O Enviado que for
Lá, da planície, incubar
Novo Verbo redentor.

Hoje que o homem, sem temores,
Há muito os deuses matou,
Só tu avivas as flores
Que o cepticismo gelou.

Vais comigo, e em tudo poisa
A tua asa, em redor:
Mudas de coisa p'ra coisa
Como as abelhas de flor.

A vida, sem o saber,
Abre-te as velas bem alto,
Aonde possas de salto,
Vento do acaso, bater.

Acaso -- o perigo vencendo,
Ou ao prazer sobrevindo --
De Ícaro as asas batendo,
Ou Dafne a Apolo fugindo...

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